Estes são os dias banais. São os dias — todos os dias — da vida de qualquer um de nós que vive numa sociedade egoísta e desumanizada. E porque eles, os dias, são muitos e sempre iguais, já tudo se banalizou e o que se vive ou acontece no decurso da existência é pura e simplesmente invisível, de tão trivial que se tornou esta forma de estar, esta indiferença, este hábito de olhar para o lado e assobiar. Estamos todos cegos? Sim, estamos todos cegos de tanto ver. O que interessa para os outros se um deficiente motor cai num autocarro, senão o impulso de dar um berro: “Olha, o manco caiu!”? Que interessa, para quem almoça, que qualquer outro perca o seu dia de trabalho, se para o evitar será perturbada a sua digestão ou o último gole do café com cheirinho? No centro de tudo está o “eu”. O outro é qualquer coisa vaga, sem nome nem história, e que, de alguma forma, pode desestabilizar. Não convém ver para evitar incómodos. E vai-se fazendo de conta que não aconteceu nada. Também, nesta sociedade, tudo e todos — todas as vidas — são medidos pela produtividade, pela regra estúpida, cega e monótona, pela medida do tempo e do correspondente rendimento de cada indivíduo. As pessoas têm apenas valor de uso e são depressa descartadas. Tudo é trivial. O dia a dia, as rotinas são corriqueiras, feitas mecanicamente e quase sem que se dê por isso. Não há hipótese nem é desejável a existência de empenho afetivo. Em suma, estes são os dias.
Nasceu em Moçambique em 1945. Fez o curso de arquitetura na Escola Superior de Belas-Artes do Porto. Trabalhou em atelier de arquitetura durante alguns anos e posteriormente foi professor dos ensinos secundário, profissional e superior. É coautor de vários artigos e estudos relacionados com a área da sua formação (teoria da arquitetura) e ainda autor, em parceria, do livro “Sine Qua Non – A Ideologia do Habitar” (A Regra do Jogo, 1986). Publicou as obras de ficção “É Assim Não É” (Chiado Editora, 2015); “E se Precisarem de Alguma Coisa... (Sítio do Livro, 2017) e “Op.3 Nº2” (Emporium Editora, 2019). Tendo-se também dedicado à pintura e à fotografia, tem realizado regularmente exposições coletivas e individuais, quer em Portugal quer no estrangeiro.